Chagall, «A queda de Ícaro»
(Imagem Internet)
Hoje,
morreu um homem bom. Ficou mais pobre a Vida.
Indiferente à dor e ao luto, o sol de Agosto
requeima ainda mais a minha tez curtida
e deixa-me em cristais de sal o meu desgosto.
Hoje,
apenas o silêncio eu quero por conforto.
Silêncio e nada mais. A noite vem aí,
vestindo devagar este vazio morto
de sombras e pesar. Inútil, fico aqui.
Hoje,
mais uma vez enfrento inerme o desenlace
e tudo em derredor doendo se esboroa.
O efémero é agora a vida sem disfarce:
um Ícaro a sonhar que sobe ao céu e voa!
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 19/23 de Agosto de 2012.
Poema escrito em memória de João António Potes
(Viana do Alentejo, 19 de Agosto de 2012.)
Parou o tempo dentro do teu peito.
Morreu o mundo no teu coração.
Sem um adeus, gelado, no teu leito,
só o desgosto da separação...
Agora, não é tempo de palavras.
É tarde, muito tarde para nós.
E nem eu quero, agora, mais palavras.
E nem tu ouves mais a minha voz.
Tentei amar-te como tu me amaste.
Na perda é que sabemos o vazio
que fica quando já não há mais nada...
Perdida flor suspensa de hirta haste,
baloiça na ternura do rocio
da tua derradeira caminhada...
José-Augusto de Carvalho
17 de Dezembro de 2004.
Viana * Évora * Portugal
(Israel, 21 de Junho de 2008)
As pétalas da flor que Junho desfolhou,
cobriram de amargura as terras de Israel.
Nas margens do Mar Morto, a sombra desenhou,
com lágrimas de sal, um cálice de fel.
Nas áleas do Jardim, perene, o mito ateia
a chama que nos chama, em labaredas de ouro.
E a flor, estreme e bela, em seu candor, passeia,
na brisa do deserto, o seu cabelo louro.
À Vida, que não quis que a flor emurchecesse,
vergada pelo tempo exausto da anciania,
escrevo, neste adeus, os versos da tristeza.
Se mais um outro dia ainda amanhecesse,
serias sempre tu, em flor-policromia,
o alor da sedução do sonho e da Beleza.
José-Augusto de Carvalho
23 de Junho de 2008.
Viana * Évora * Portugal
No te dieron el derecho de coger amapolas
en todos los caminos de tu tierra.
Para ellos,
el derecho que querias de vivir en paz
era el peligro de la luz sobre las tinieblas...
Ay, las tinieblas hijas de la muerte
y amantes de todos los asesinos!
Ya no llueve en Santiago!
El cielo ha secado todo su llanto!
Y los ecos de tus canciones se han perdido
en las alas heridas del cóndor
subyugado por los bandoleros.
José-Augusto de Carvalho
9.12.2007
Viana * Évora * Portugal
Hoje, chove no meu coração.
Uma chuva de lágrimas frias.
Com seis tábuas se faz um caixão
e, com flores, as horas vazias.
Para além da partida, serás,
na saudade, a presença constante.
Que tu ficas, ainda que vás
para longe do adeus que te cante!
Não há luz, não há cor, não há trevas
no vazio sofrido que levas...
Só o frio gelado do fim.
E eu, aqui, a deixar-te sozinho,
neste término do teu caminho,
esquecido de tudo e de mim.
José-Augusto de Carvalho
7 de Janeiro de 2006
Viana * Évora * Portugal
É quando as sombras descem sobre a luz
e a vida já não pode ser mais nada
que, em ânsia de infinito, tremeluz
a paz, por dor e lágrimas velada.
Aqui, por entre flores de saudade,
sublimo a perfumada nostalgia
do sonho que se quer eternidade,
em arrebois de amor e poesia.
De ti, ficou, em nós, perene, o canto,
a parte que te coube da beleza
p'lo Céu doada a todos os poetas.
Em ti, ficou, de nós, doído, o pranto
que levas, por alturas de incerteza,
nas tuas asas livres e inquietas.
José-Augusto de Carvalho
24 de Fevereiro de 2006.
Viana * Évora* Portugal
Cuando los asesinos mataron al poeta,
el reloj señalaba la hora cero.
El poeta se muere siempre en la hora cero.
Cuando el tiempo queda yerto
y las palabras rechazan la melodía de la ternura
el poema es imposible.
Cuando el reloj señala la hora cero,
el poema es imposible.
Cuando el poema es imposible
ni paraíso ni infierno pueden existir.
Cuando el poema es impossible,
la sangre llora la nada.
La sangre del poeta asesinado lloró la nada
en mi corazón.
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 24 enero 2006.
Os deuses e os demónios querem sangue!
No mundo, ergueram, ímpios, os altares.
Um homem justo mais tombou exangue...
Irmão, mais um sinal p'ra meditares!
O tempo da discórdia trouxe as iras.
Quem nega, agora, a lei da causa-efeito?
Arautos de vergonhas e mentiras,
com agressões e bombas de ódio ao peito!
E as vítimas são sempre os inocentes,
as dores de um calvário que não cessa,
o vil metal das trocas indecentes.
Irmão, Amigo, Exemplo, tão depressa
te privam do amor das tuas gentes!
Contigo morre mais uma promessa.
José-Augusto de Carvalho
Viana * Évora * Portugal