Sexta-feira, 27 de Novembro de 2009
Qual será a Poesia possível para o século XXI, época flagrantemente sinalizada pelo desenvolvimento tecnológico, por profundas diferenças sociais e pelo pesadelo da violência cotidiana?

Que metáforas e sentimentos por palavras, em poemas e versos, podemos imaginar para o decorrer dos próximos cem anos?
Há mesmo algum lugar para a Poesia num tempo tão controverso?
E de que Poesia carece o homem, neste início de século?
Longe de quaisquer pretensões proféticas, o que se pode esperar é que muito provavelmente a Poesia irá de novo surpreender a história da literatura. Otimismo sugerido pelo que aconteceu no século XX, sem dúvida, um período de grandes poetas, ainda que as ocorrências históricas não tenham se mostrado tão poéticas.
A bem da verdade, todo o circo de horrores do Novecentos foi incapaz de impedir que o homem vivesse uma época tão rica para a Poesia.
Com certeza, embora nos dias de hoje se tome a Poesia como uma espécie de filha rejeitada do mundo das Letras, jamais ela esteve presente de modo tão realçado, na história da inteligência humana, como nos últimos cem anos. Jamais sua herança para o futuro foi tão vasta e influente.
Desde o seu início, o século que passou marca-se por esperanças e expressões incisivas da Poesia.
Aliás, já é com a Poesia que nas últimas décadas do século XIX se reivindica uma nova Literatura para os anos do Novecentos.
Instigado por essa preocupação é que o jovem poeta francês Arthur Rimbaud escreve ao futuro: “Il faut être absolutement moderne!” [“É preciso ser absolutamente moderno!”]

A PRESENÇA DAS VANGUARDAS


Modernidade que, nas primeiras décadas do século XX, as vanguardas literárias irão reivindicar dos escritores, sempre através da Poesia. Pois será com a Poesia que os futuristas, dadaístas, construtivistas, suprematistas, vorticistas, formalistas, cubistas e surrealistas irão exigir uma nova arquitetura mental, um ato renovador de energia e vontade para as Artes.
Modernidade guiada, seja pela regência do italiano Marinetti, ao pedir a presença da velocidade e da energia mecânica na Poesia. Seja pela voz forte do poeta russo Vladimir Maiakovski, ao formalizar que não há revolução na Poesia, assim como nas ruas, sem forma artística revolucionária:

“Nesta vida
morrer não é difícil.
O difícil
é a vida e seu ofício.”


Século XX em que se pretende – como determina e realiza o anglo-americano Ezra Pound - que o poeta, “antena da raça”, seja um gerador de cultura ao se revoltar contra a cultura, um estudioso universal, um artista versado em Homero e Catulo, em Dante e nos trovadores provençais, um conhecedor da importância do ideograma chinês e da centralidade da forma curta da poesia japonesa, o haicai. Enfim, um poeta senhor da tradição, que, ao se expressar e construir a transgressão, destrua o museu morto do passado à procura da poesia do futuro.
De resto, uma época de poéticas da liberdade, quando o poeta, portador de suas utopias para a Poesia, ao escrever tem no horizonte o que não quer, além do mar de suas possibilidades. Postura que, em resumo, bem definiu o brasileiro Manuel Bandeira: “Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”
Utopias com que se constrói a Poesia do século XX, ainda que seja um século mais trágico do que lírico, precisamente conforme sintetizou de modo magistral outro brasileiro, Carlos Drummond de Andrade:

“…………………………………………………………..
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra”


Realidade que a poesia do século XX percebeu e enfrentou.
Assim testemunha T.S. Eliot, em seu vasto poema “A Terra Desolada”.
Século trágico que nem por isso esmoreceu seus poetas cientes da necessidade da lírica, de “Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada”, no dizer da poesia do chileno Pablo Neruda.
Afirmação da vida, que os poetas do século não ignoraram, como responde por todos um outro brasileiro, João Cabral de Melo Neto: “…não há melhor resposta/que o espetáculo da vida:/ vê-la desfiar seu fio,/que também se chama vida…”


TEMPO DE VERSO E REVERSO


Sem dúvida, é vasta a presença da Poesia do Novecentos como legado para o século XXI. Vasta e renovadora, sempre nos mais importantes ou nos mínimos instantes dos sentimentos humanos; nos gestos mais amplos ou mais particulares da existência.
Quem por acaso, nesses últimos cem anos, ousou passar a vida sem ao menos compor ou desejar compor um só verso de amor para a pessoa amada? O que também a grande Poesia do século tantas vezes fez, como testemunha vital de desesperadas paixões.
Vigoroso exemplo dessa lírica passional é o poema do andaluz Federico Garcia Lorca onde ele expressa sua dor e a dor de toda a Espanha num apaixonado lamento pela a morte em plena arena do jovem toureiro Ignácio Sánchez Mejías, “a las cinco de la tarde” : “Eu canto sem tardança teu perfil e tua graça”.
Assim se inscrevem, como expressões de plena grandeza na vasta biblioteca poética do século XX, múltiplos feitios, praticamente todos os temas, desde a leveza da poesia bucólica à consistência do poema social; desde a multiplicidade do verso metafísico à visibilidade da poesia de exaltação heróica; a exatidão do meta-poema à rapidez do poema mítico. Como, igualmente, se inscrevem investigações poéticas de diversos sentimentos étnicos que aproximam visões de mundo e mesclam o Ocidente com o Oriente no Poesia. E, não menos, se inscrevem meticulosas investigações lingüísticas.
No âmbito das possibilidades das formas poéticas, tudo se fez e tudo se refez e tudo se transformou, nos últimos cem anos. Mais que em todas as outras épocas da História da Literatura, a poesia dos Novecentos, além de investigar vastamente os significados das emoções, revigorou os significantes verbais, os traços e os sons do verbo, desde os caligramas de Guillaume Appolinaire às experiências concretistas, por sinal marcantes na poesia brasileira.
Certos poetas chegaram a multiplicar suas particularidades estilísticas.
Outros escreveram em vários idiomas. E de tal modo ocorreu essa pluralidade que, num balanço final, muito provavelmente o maior dos poetas do Novecentos talvez seja aquele que, na obscuridade de um quase ineditismo em vida, foi poeta por si mesmo e por vários outros poetas que tomou como heterônimos. Sem dúvida, Fernando Pessoa!
Autor(es) da língua portuguesa que com significativa presença foi igualmente grande poeta em inglês: “A verdade se ela existe,/Ver-se-á que só consiste/Na procura da verdade,/Porque a vida é só metade.”
Honrosa situação que confirma o Português como idioma de boa valia poética, justificando, inclusive, a existência de excelentes poetas brasileiros nos últimos cem anos, alguns, sem dúvida, entre os melhores do mundo.
E foram muitos os grande poetas dos últimos cem anos. Tantos que a Academia Nobel, se algumas vezes esqueceu de consagrar certos nomes da poesia mundial, não hesitou em incluir, entre os seus escritores premiados, vários poetas brilhantes tais como Rabindranath Tagore, William Butler Yates, Gabriela Mistral, T. S. Eliot, Boris Pasternak, Saint-John Perse, Nelly Sachs, Pablo Neruda, Odysseus Elytis, Wole Soyinka, Joseph Brodsky, Derek Walcott e Wislawa Szymborska. Por sinal, vale lembrar que a lista do Nobel de Literatura inicia-se em 1901 com um poeta, o francês Sully Prudhomme.


VASTAS INFLUÊNCIAS


No século XX, não menos vasta é a influência da Poesia nos outros gêneros literários. A começar pela própria prosa de ficção do Novecentos, que, sem dúvida, seria expressivamente menos significativa, caso não importasse para suas páginas, passagens, tramas e enredos, situações verbais evidentemente poéticas.
Os arranjos sonoros, as inquietações léxicas, as reconstruções lingüísticas dos contos e romances contemporâneos são devedores de modelos e técnicas do verso. Não fosse assim, jamais teríamos na bibliografia do século obras tais como “Finnegans Wake", de James Joyce, ou “Grande Sertão:Veredas”, do brasileiro Guimarães Rosa.
O mesmo se pode dizer a respeito da dívida da dramaturgia para com a poesia. Não fosse um expressivo poeta da língua alemã, Bertolt Brecht nunca teria sido um grande dramaturgo. Influências que chegaram ao cinema, como se percebe nos diálogos e nas tramas de Bergman, Fellini, Pasolini ou Glauber Rocha, entre outros cineastas.Marcas que vitalizaram a música popular do século, como se vê de imediato, em meio à longa lista de exemplos, nas letras dos Beatles, de Jim Morrison, ou do pleno poeta brasileiro Chico Buarque de Holanda.
Influências que alcançaram os discursos do jornalismo e da publicidade contemporâneos. E até mesmo inspiram com evidência certos feitios expressivos das melhores histórias em quadrinhos e de alguns "sites" da Web.
Sem dúvida, é amplo o legado da Poesia do século XX. Todo um legítimo conjunto de obras que exige muito dos poetas deste século XXI que se inicia agora, intrigados por saber que poética precisa o futuro.
Enigma que, segundo Jorge Luís Borges, talvez encontre resposta numa retomada da poesia épica, às vezes um tanto ausente nos últimos cem anos, se comparada à presença da lírica.
- Tivemos duas guerras mundiais, porém, delas não surgiu nenhuma épica! – reclamava o grande poeta argentino.
- De certo modo, as pessoas estão famintas de épica. Sinto que é uma das coisas que precisamos.
Quem sabe!?
Uma poesia menos subjetiva, que reconstrua os fatos e nos conte histórias da odisséia do Homem na estrada do século XXI.


José Arrabal
São Paulo – SP,Brasil

Migrando para este novo espaço.


publicado por Do-verbo às 15:38

Devo ao meu querido Amigo Vanderley Caixe ter, doravante, outro Amigo — José Arrabal, que me dá a honra de republicar neste espaço que detenho o seu importante trabalho A Poesia do XX ao XXI.

Quem é José Arrabal?


 JOSÉ ARRABAL é professor universitário, jornalista, escritor, tradutor, ensaísta, conferencista, poeta, autor de contos, novelas e romances. Lecionou por muito anos na PUC de São Paulo, na Universidade Metodista, na UNIP e na FAAP, ministrando aulas, conferências e oficinas de criação nas áreas de Letras e Comunicação Social. Jornalista, trabalhou em revistas, jornais e agências de notícias do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde exerceu atividades de redator, articulista e editor de Assuntos Internacionais, Crítico de Literatura e de Teatro, editor de Cultura e correspondente estrangeiro em países da América Latina. Traduziu obras literárias, coordenou coleções, analisou e preparou originais para muitas empresas editoriais paulistas. É autor de livros de ficção para crianças, jovens e adultos, assim como de ensaios, biografias, peças de teatro, poemas e roteiros para cd-rom, com cerca de 40 títulos publicados por editoras de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Entre suas obras, sobressaem “O Nacional e o Popular Na Cultura Brasileira – Teatro” (Editora Brasiliense), “A Princesa Raga-Si”, “O Livro das Origens”, “Lendas Brasileiras, Vol 1/Vol. 2” e “Histórias do Brasil”, “Cacuí, O Curumim Encantado” (Editora Paulinas), “As Aventuras de El Cid Campeador” (Editora Paulus), “A Ira do Curupira” (Editora Mercuryo Jovem), “O Noviço”, “Demeter, A Senhora dos Trigais, “O Monstro e a Mata” e “O Nariz do Vladimir” (Editora FTD), “Arai, Pele de Tigre” (Editora do Brasil), “Candido” (Editora Scipione), “A Estrela de Rabo” e “Waldemar, O Rei do Mar” (Editora Nova Didática), “Histórias do Japão” (Editora Peirópolis) e “Anos 70 – Ainda Sob a Tempestade” (Aeroplano Editora). Com o livro “A Princesa Raga-Si” (Editora Paulinas/1985), recebeu o prêmio de Melhor Autor do Ano, na categoria de Literatura para Crianças, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Por duas vezes foi indicado para o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro. Na recente Bienal do Livro/2005, no Rio de Janeiro, seu livro HISTÓRIAS DO JAPÃO foi premiado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Natural de Mimoso do Sul, Espírito Santo, vive há 30 anos em São Paulo.
.

Até sempre!

José-Augusto de Carvalho

Viana do Alentejo * Évora * Portugal

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publicado por Do-verbo às 15:32
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