Terça-feira, 29 de Janeiro de 2013

O rebanho

 


suspensos os sentidos


sustida a respiração


suspirada a oração


suados e sofridos


sentamo-nos vencidos


sofrendo o sermão:


são ovelhas ou não são?



(Nota: o título é de minha responsabilidade)



publicado por Do-verbo às 16:03
Sexta-feira, 24 de Agosto de 2012

 

OS DIAS DESCONTADOS

 

São Mateus Evangelista

 

eu vos digo que antes passariam o céu e a terra do que passaria uma só letra menor ou uma partícula duma letra da Lei sem que tudo se cumprisse.

Mateus



Inesperadamente, a marca

indelével do destino

soou como um badalo

chocalhando-me o cérebro.

Nota oficiosa:

-aos cidadãos atentos

O próprio locutor, notou-se,

compreendeu:

a catástrofe é iminente e universal.

A crise,

o petróleo,

o dólar,

a crista de altas pressões

e, se necessário, o estado de sítio.

Só por milagre será evitado

o agravamento dos preços ao consumidor.

Para evitar mal entendidos, a

a ordem pública,

a ordem pudica,

a ordem pura

e demais ordens de serviço

serão mantidas.

Deus dará.



publicado por Do-verbo às 22:49
Terça-feira, 23 de Março de 2010
Foto de meu cão Apolo, 2008

Como te invejo amigo cão,
o teu sol e mesmo o teu osso;
não a coleira do pescoço;
a condição.

Como te invejo o faro, irmão!
Cheirar até o bafo de deus,
seres tu por mim alguém e eu
o cão.

Como te invejo, meu ciúme é vasto:
o amor que fazes à minha frente,
uivar, ganir como um demente
e casto.

Como te invejo e te gabo,
como os que, não sendo cão,
pedem guloseimas e dão
ao rabo.

Como te invejo o dobrar do sono,
ladrar a quem me apetecer
e, se for preciso, morder
o dono.


João de Sousa Teixeira


publicado por Do-verbo às 14:15
Sexta-feira, 27 de Novembro de 2009

(Rhapsody para Allen Ginsberg)


Escrevem versos brancos como quem vai à Lua
e vão à lua cavar poemas ainda mais brancos.
Para o bem e para o mal, conhecem o mundo
até às Caraíbas e jamais o meu vizinho carpinteiro,
de nome Joaquim, que jura ter feito
um guarda-fatos em mogno para um milionário californiano.
De sonetos (incluindo ingleses) nunca ouviram falar;
sabem de sondagens, tácticas militares e de napalm,
de multinacionais e de petróleo.
Não são nunca culpados de coisa alguma:
chatearam-se em Pearl Harbour e vingaram-se em Hiroxima.
O Mayflower não levou todos os bandidos e prostitutas
europeus. Destes, a maioria já é autóctone. E isso vê-se
nas eleições políticas que realizam,
nas guerras que exportam, nas revoluções que inventam
e na leviandade com que dizem my god.
É verdade que há os Óscares, os Nobel
e as medalhas olímpicas, mas a verdadeira história
norte-americana é a de Bufalo Bill.
As fontes não revelam quantos milhões não têm abrigo
e não há notícia de Apaches nem de Cherokees
(eu sei, Allen, de Sacco e Vanzetti também)
mortos em nome do american way of life.
Borrados de medo em Hanoi, não conheceram Jonh Reed,
de quem muito aprenderiam sobre os outros.
Preferiram embebedar-se em Saigão, vomitar
no Mar da China a última ração de combate
e lamber o chão em Woodstock
Ninguém como os norte-americanos
soube dignificar de forma tão eloquente
o nome da sua moeda fiduciária,
dos seus heróis de banda-desenhada
e das suas histéricas lágrimas em Manhattan.

João de Sousa Teixeira

Migrando para este novo espaço.


publicado por Do-verbo às 15:19

 

Uma pétala de cravo ou uma urze?
A margem de um rio onde
eu te espero ou tu me esperas,
a que tempo a espera corresponde?

Se todo o tempo é habitado
e o tempo vazio não responde,
que eco tem a longínqua espera,
a que tempo a espera corresponde?

Teremos naufragado nesse rio?
Sucumbido a que maré ou onda?
Que tempo é o tempo ausente,
a que tempo a espera corresponde?

Por fim, a desmedida lágrima,
capaz de ser futuro rio, responde:
- basta de esperas passadas,
a que o tempo da espera corresponde!


João de Sousa Teixeira

Migrando para este novo espaço.


publicado por Do-verbo às 15:07
(versão não meteorológica)

I
No princípio, era um pequeno lago
com juncos e salgueiros nas orlas,
e também rãs, que, desde o início da primavera,
coaxavam noites inteiras em busca de sorte.
Aos domingos era a nossa piscina,
o nosso lugar de piquenique e de repouso,
perturbado apenas pelas moscas,
pelo seu abuso em provar o farnel exposto
e pela teimosia inata em poisar e voltar a poisar.
Havia também uma ponte muito velha
com gradeamentos igualmente velhos.
Não sei se por isso, já uma mulher tinha caído à água.
Outros diziam ter sido uma criança e outros ainda
que afinal fora um velho.
A sorte de quem quer que tenha sido
é tão confusa como a notícia.
No princípio, como disse, era um pequeno lago
com peixes e cobras de água
em permanente bailado subaquático.
Mergulhávamos naquelas águas durante toda a manhã
E um pouco à tarde, depois da digestão.
Já completamente exaustos, enxugávamos ao sol
- nossa toalha de banho –
Em suma, no desconhecimento absoluto do que faltava de mundo,
o pequeno lago foi o ideal de vida,
a única viagem de sonho a cada domingo de verão.
Entretanto crescemos.
Fizeram umas barracas de madeira
para venda de comidas e bebidas onde antes nos rebolávamos,
construíram uma nova ponte em betão,
mas permanecem os juncos e os salgueiros
e os batráquios também.
Disseram-me que estava tudo muito turístico.
A propósito: na verdade, o pequeno lago é um rio,
um pequeno rio, afluente do Tejo,
mas isso não tem importância nenhuma.

II
Um dia o meu pai queimou as costas
e foi uma tragédia.
Ele queria apenas aproveitar o sol,
que era uma dádiva de domingo.
De início foi apenas um escaldão
mas à noite é que foram elas:
Gemeu, contorceu-se com dores,
e ainda hoje tenho as minhas dúvidas
quanto ao suor que lhe ensopava o rosto:
ele não queria desvendar as lágrimas, e muito menos aos filhos,
mas penso que chorou e não foi pouco.
Durante uma semana tememos ficar sem pai,
(que nunca tínhamos visto acamado durante o dia)
mais pela presença diária do enfermeiro, que fazia o curativo,
que pela continuação dos queixumes.
Mas esta espécie de catástrofe familiar depressa foi debelada
e tudo voltou ao normal.
O esplendor do pequeno lago ou o rio, como mais tarde soubemos,
nunca foi beliscado.
Apesar de tudo, sempre nos lembrámos daquele lugar de salgueiros
e juncos, de rãs, de peixes e cobras de água dançarinos,
como um sítio aprazível e fresco, com águas transparentes
até onde havia pé,
como era impossível em qualquer outra parte do mundo.

III
Ainda não havia achigãs. Surgiram mais tarde
e em grande quantidade. Comiam tudo o que mexesse.
Pescavam-se bogas e barbos,
que mordiam o anzol atraídos por uma larva branca,
concebida de propósito,
e também ela condenada ao passatempo
dos pescadores de fim-de-semana.
Para estes, os nossos divertidos mergulhos ou mesmo as nossas chapinhadas
eram motivo de censura: assustavam os peixes,
afastavam-se e já não picavam.
A realidade é que havia espaço para todos:
a malta tomava banho e eles sempre filavam peixe.
O regresso a casa era à tardinha,
que é como quem diz, quando o sol mudava a cor
para aquele vermelhão escuro, que o fazia perder a força
para se suster lá no alto, e arrefecia como nós,
à custa duma brisa fresca, implacável, a anunciar o fim do dia.
Mas o pequeno rio não era esquecido:
dormia connosco essa noite e a seguinte e outra ainda,
e mesmo que o quiséssemos ignorar,
o latejar das peles quase pueris, os tufos de areia
nos bolsos e bainhas e o anseio pelo próximo domingo,
eram lembranças bastantes.
A água deste rio ainda hoje corre nos meus sonhos.

João de Sousa Teixeira
Migrando para este novo espaço.


publicado por Do-verbo às 15:03

Poeta, natural da cidade de Castelo Branco, capital da Beira Baixa, reside, há uns anos, em Viana do Alentejo. Companheiro e Amigo, junta-se a outros meus Amigos, neste espaço.
Bem-vindo, Poeta, Amigo e Companheiro!
José-Augusto de Carvalho

De João de Sousa Teixeira, aqui registo:

Actividade LiteráriaColaboração em várias publicações, algumas já extintas, de âmbito regional e nacional com poesia e crónicas, desde 1970. (Beira Baixa, Reconquista, Gazeta do Interior, O Século, Despertar de Coimbra, Novo Jornal, etc.)

Participação em colectâneas de poesia:
Vozes Nonas na Praça Velha (Castelo Branco) e Sirgo (Coimbra)

Desde a fundação, há 10 anos, mantém uma crónica mensal no Magazine Ensino, da RJV, editores.

Livros publicados:
Poesia:
Ro(s)tos do Meu País, ed. Aut. ,1972
Terra Alheia, ed. Aut., 1973
Ultrapassar os limites, ed. Aut., 1980
Poesia de Costumes, ed. Aut., 1982
Corpo de Poema, ed. Do Aut., 1985
Alegria Incompleta, ed. Vega, 1988, Fundo de Apoio a Autores Portugueses da APE, subsidiado pela Fundação C. Gulbenkian.
(En)cantos de Castelo Branco, ed. Câmara Municipal de Castelo Branco, 1991
Ficção:Mar de Pão, ed. Campo das Letras, 2003, com o patrocínio da Câmara Municipal de Viana do Alentejo

A editar em 2007:
PoesiaRebuçados, Caramelos e Sonetos

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publicado por Do-verbo às 14:49
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