Dei tudo quanto tinha para dar...
Até a fantasia do meu canto!
Ai, que saudade tenho do luar
e da ternura argêntea do seu manto!
Saudade concebida de pureza,
na dádiva de um vago estremecer.
Enleio enamorado a prometer
antemanhãs sonhadas de beleza.
E neste fim já próximo da estrada,
desfio este rosário que sustenho
numa vigília trémula e cansada.
Sem ilusões nem sonhos, a desoras,
ainda, nesta espera que mantenho,
pergunto à Vida: Por que te demoras?
José-Augusto de Carvalho
16 de Junho de 2013.
Viana*Évora*Portugal
Da Poesia Pura
É quando a noite cai, doendo, nos meus braços,
e tremem, no silêncio, os medos ancestrais,
que irrompe a escuridão e, aquém dos meus umbrais,
me envolve, em seu torpor, em lânguidos abraços.
Se tardo adormecer, segredos me suspira,
segredos que eu esqueço ao despertar-me a aurora.
Mas não desiste nunca e torna, sem demora...
Rendido acontecer e ser de quem delira.
E a minha insónia teima em conceder-lhe espaço.
Meu corpo exausto e lasso entrega-se, rendido.
E a noite, sem pudor, despindo o seu vestido
de angústia e escuridão, reclama o meu abraço.
Abraço que não dou, mas sempre lho consinto
assim como se fosse um cálice de absinto...
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 10 de Abril de 2013.
Inteiro, o pensamento na linguagem.
Palavra após palavra, a tessitura.
Palavras, partituras, frescos agem,
aqui e além, desertos de procura.
*
Linguagem-pensamento, a construção
que tenta, tenta e logo se esboroa...
Regresso instante ao caos - desconstrução...
...e nova construção pensada ecoa.
*
Vaivém de ser / não-ser, o movimento
perpétuo e sideral com pés no chão,
dilacerado a golpes de ígneo vento.
*
Suspenso, o braço erguido, aberta a mão,
a busca, mais além, no céu cinzento,
determinado e só, num gesto vão...
*
*
José-Augusto de Carvalho
13 de Fevereiro de 2013
Viana * Évora * Portugal
Folheio devagar o livro dos meus dias.
Às vezes, volto atrás, relendo as folhas lidas.
E, nesta revisão, imagens já delidas
revivem-me o candor de antigas alegrias…
Menino, o tempo vem cantando a primavera
que fui a florescer futuros anelantes!
Um tempo que hoje dói nos álbuns, nas estantes…
enquanto o coração de angústias se lacera.
Melhor fora banir de mim estas amarras.
Melhor fora matar memórias e saudades.
Melhor será morder agora as frias grades
e firme recusar plangências de guitarras.
Meu fado é desfraldar bandeiras e ir avante…
Que em lágrimas embora, eu só futuros cante!
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 1 de Setembro de 2012.
Sobre as dunas do tempo,
a memória de mim.
O tempo convenção
que mede as rotações
que nos geram os dias…
O tempo convenção
que mede as translações
que nos gerem os anos.
E neste fatalismo planetário,
a memória de mim
cavalga os movimentos
sobre as dunas do tempo.
E quando não houver
já memória de mim,
as mesmas rotações,
as mesmas translações,
várias, perdurarão
na dimensão do cosmo,
além da convenção
das dunas do tempo
finitas que inventei…
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 5 de Setembro de 2012.