Sexta-feira, 07 de Janeiro de 2011
 
De tribo em tribo, vou, humilde peregrino.
E tudo em derredor são sombras e armadilhas.
Um bobo impertinente exibe o desatino,
a turba exulta e faz do reles maravilhas...
 
Medíocre insecto arenga, em sórdido arreganho.
Casaca a condizer, as asas coloridas.
Asneiras que lhe inveja o néscio em seu tamanho.
E aqui não há ninguém que venda insecticidas!...
 
Humilde sou e humilde eu quero assim manter-me.
Traído o seu intento, verbo foi em vão.
Não é inteligente equiparar-me ao verme.
Humilde, sim, serei, mas sem humilhação.
 
Paguei o preço até ao último centavo.
Ingénuo, e em dor, senti do fel o amargo travo...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
8 de Junho de 1996.
Viana * Évora * Portugal


publicado por Do-verbo às 10:56
Quinta-feira, 06 de Janeiro de 2011
 
Só as árvores nuas
a tremerem de frio
no vazio
destas ruas.
 
Uma folha esvoaça.
Um fugaz movimento
ou doído lamento
ante a morte que passa...
 
Sob o céu enublado,
só a aragem suspira
resistindo à mentira
dum sossego assombrado.
 
Na parede, cansado,
o relógio parado...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 7 de Setembro de 1996.


publicado por Do-verbo às 17:15
 
 
Há um tempo cumprido.
Há um tempo a cumprir.
Um minuto perdido
é andar e não ir...
 
Na boca que receia,
um grito sufocado
no presente semeia
um futuro adiado.
 
Quem ousa a não palavra
da renúncia grosseira
esmagando o clarão?
 
Num arado que lavra,
a esperança inteira
do milagre do pão!
 
 
 
José-Augusto de Carvalho~
Lisboa, 13 de Maio de 1996.
Viana, 6 de Janeiro de 2011.


publicado por Do-verbo às 16:41
 
 
Alentejo que não tinhas
sombra senão a do céu,
como outras coisas não tinhas,
q1ue tens tu que seja teu?
 
A desilusão de um nome
e de filhos naturais,
uma bandeira de fome
e um céu distante de mais....
 
Mas na desgraça cantavas
um lamento em desvario,
num coro de condenados...
 
Levava o vento as palavras,
gemendo, num calafrio,
os assombros dos montados...
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 25 de Agosto de 1996


publicado por Do-verbo às 16:17
 
 
No meu acontecer,
fui o que pude ser...
*
 
Ergui-me, deserdado.
A certeza enfrentei
do tempo encarcerado...
E sem arma nem lei!
*
 
No escuro mergulhei,
onde o tempo ultrajado
impunha o ser negado...
E sem arma nem lei!
*
 
Não traí nem neguei.
Fui no verbo jurado
o tempo conjugado...
E sem arma nem lei!
*
*
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 15 de Fevereiro de 1997


publicado por Do-verbo às 10:59
 
 
Quem disse e já não diz
que os nossos pés alados
são, na terra, a raiz
de astros incendiados?
 
Quem disse e já não quer
ser verbo e ser futuro,
enqunto o sangue der
cor à luz que procuro?
 
Quem disse e nega agora
ter dito e defendido
que o drama que nos chora
não mais seria havido?
 
Quem disse e não honrou
a jura que jurou?
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
1 de Fevereiro de 1999.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 07:38
Quarta-feira, 05 de Janeiro de 2011
 
 
 
Tentei, ah, se tentei
honrar o testemunho recebido!
Errei,ah, tanto errei
e com severidade fui punido!
 
Sujeito definido,
 de queda em queda, vítima da lei,
fui réu escarnecido
e em vários desencontros me enredei.
 
A passo e por compasso reprimido,
caminhos palmilhei,
mas, sempre p'la mão, o dia havido
convicto desbravei.
 
E nesse dia havido,
e sempre por haver, eu me encontrei...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
Tavira, 13 de Junho de 1996


publicado por Do-verbo às 11:18
 
 
 
 

Por limpas e montados e olivedos,
perdi-me, num febril desassossego.
Por entre sombras, reprimi os medos.
Exausto, a casa, finalmente chego.

 

Salvei-me de armadilhas e emboscadas.
Em noites de vigília, fui maltês.
Atento, em todas as encruzilhadas,
pesava um passo só de cada vez.

 

Jazia o tempo em torva prostração.
E, dia a dia, em pérfido declínio,
era imolado em aras de aflição.

 

Mas quanto mais sofria o seu domínio,
mais resistia à raiva e à rendição
e livre alvorecer era um fascínio!


 


Lisboa, 2 de Maio de 1996.


publicado por Do-verbo às 10:49
Quinta-feira, 09 de Dezembro de 2010
Rio Guadiana, o pulo do lobo
 
 
 
 
Uma mancha de arvoredo.
Treme o caminho de medo.
 
Um grito de raiva corta
o silêncio do montado.
Quem, na noite, mal suporta
o seu sossego assombrado?

 
Numa janela da aldeia,
tremeluz uma candeia.

 
Que sombra furtiva passa,
tragada p'la escuridão?
No silêncio de mordaça
pesa mais a solidão.

 
Andam malteses a monte
nas terras sem horizonte...

 
Soam secos estalidos
de facas de ponta e mola
e baques malpressentidos 
de passos que a lama atola...

 
Andam malteses a monte
nas terras sem horizonte...

 
Homens de pele trigueira,
curtida pelo relento,
aventuras de fronteira
e mulheres de momento...

 
Cicatrizes purpurinas
das balas das carabinas...

 
Nos beijos livres da noite,
bem ajustado o bornal,
há quem na sombra se acoite
maltês ou guarda fiscal!

 
O medo o medo guardando,
liberdade e contrabando...

 
Malteses matando a fome,
altivos como senhores!
Quem sois vós, homens sem nome,
 temidos p'los lavradores?

 
Quem impõe a lei da fome,
 muitas insónias consome!...
 
Quem vem lá, entre dois guardas,
a caminho da cadeia,
indefeso entre espingardas
que a lei da fome alardeia?

 
Um maltês acabrunhado
maldiz o dia azarado!...

 
Caiu um numa emboscada...
Outros em paz intranquila,
de noite, rondam a vila,
p'ra soltar o camarada...

 
Uma mancha de arvoredo...
Treme o caminho de medo!...

José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 5 de Setembro de 1996.
Viana, 8 de Dezembro de 2010


publicado por Do-verbo às 10:55
Quarta-feira, 08 de Dezembro de 2010
 
 
 
As ruelas de terra batida
ocultaram a minha partida.
 
 
O negrume da noite tragou-me,
numa cúmplice fuga.
Uma sombra furtiva e sem nome
que do rosta uma lágrima enxuga.
 
 
Em redor, o silêncio pesado
dos malteses de medo e de espanto...
E os rafeiros rosnando ao cajado
que à distância sustém o levanto.
 
 
Chego, enfim, à estrada deserta.
Doravante, o caminho é obscuro...
E assim vou, de sentidos alerta...
E assim ando esventrando o Futuro...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 18 de Março de 1997


publicado por Do-verbo às 12:15
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