Terça-feira, 01 de Dezembro de 2009

O criador nunca é o melhor crítico do seu trabalho. Consciente ou inconscientemente, é, via de regra, maternalmente benevolente. E entende-se, sem esforço. No momento da criação e no período de graça que lhe é subsequente, o criador não tem nem pode ter a distanciação que lhe permita, sem emoção nem afectividade, analisar criticamente o seu trabalho, o que vale dizer, sem reclamar a sua condição de criador.

O criador fica, nesse período de graça, tão vulnerável e sensível, que não resistirá, sem desgosto, a uma crítica que não seja agradavel. É a situação da mãe perante os seus meninos, que são lindos, lindos... ainda que o não sejam.
Qualquer criador, independentemente da sua idade e da sua maturidade, é, nesse período de graça, um adorável adolescente. E ainda bem!
Ao crítico eu apelo para que atente na situação e não perturbe nem magoe o criador em "idade adolescente". Não lhe peço que minta, porque mentir é feio; e porque nada se constrói sobre os alicerces da mentira; mas que seja tolerante e aguarde que passe o período de graça. Se assim for, o criador agradecerá, pois, entretanto, também já terá reparado no seu trabalho e visto que era ou não era assim tão belo quanto o supusera.
O crítico e o leitor anónimo têm o dever de respeitar a fragilidade da inocência que preside a todo o acto criador. Olhar um trabalho recém-executado requer o mesmo carinho e a mesma contemplação que se observa numa criança abrindo os olhos para a vida, pela primeira vez. Porque o seu olhar está vestido de inocência e de espanto e porque o mundo em derredor, que vai acolher a criança, é o desconhecido acenando à promessa que chega, naturalmente indefesa, mas confiante.
Todos sabemos que, para um criador, nem sempre o seu melhor trabalho é o mais querido. Só o trabalho que tem do criador uma carga emocional avassaladora, que, passe o tempo que passar, esteja sempre palpitante e vivo como foi no acto de criação, será o trabalho mais amado, mais perturbado e perturbador. E se não é o melhor, porventura se apresenta como o mais autêntico, por mais sentido.
A sensibilidade dos criadores é muito variável quanto à divulgação dos seus trabalhos. Uns se apresentam ousados, outros timidamente. E há, ainda, os criadores que guardam tão ciosamente os seus trabalhos que parece terem pudor ou ciúme de que outros olhos os vejam. Tudo decorre da nossa condição humana e tudo deve merecer uma atenção cuidada.
Qualquer acto de criação se assemelha ao acto de parir. É um momento mágico, que nenhum malfeitor sem alma nem coração pode conspurcar com aleivosias ou grosserias ou indiferenças pétreas e obtusas.
Profetas da desgraça também houve sempre. Nem Homero ficou imune a Zoilo. Aliás, a História da Literatura está enublada de detractores e de profecias inconsequentes e porventura malévolas, quando não subterraneamente invejosas.
Oxalá esta "nota de leitura" possa merecer a ponderação de quem a ler. Se assim for, terá alcançado o seu único objectivo - o amor e a paz no coração de todos.
Até sempre!

 

José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 4 de setembro de 2003.


publicado por Do-verbo às 13:44
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