TRISTEZA DE SER VELHO
(08-12-2012-Pensar)
José Augusto Carvalho
Acho que foi em Terra dos Homens que Saint-Exupéry escreveu uma bela página a respeito da idade do homem. A idade representa segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, décadas de permanente exercício de aprendizagem de vivências únicas, de alegria, de tristeza, de dor, de encantamento. A idade do homem (homem, aqui, no sentido de ser humano, que inclui também a mulher) é um mistifório de emoções, de pensamentos e de experiências acumulados ao longo dos anos.
Mas chega um momento em que a idade pesa mais do que podem suportar os ombros ou uma cabeça de mente lúcida e aberta, a contradizer a frase de um pensador da Antiguidade, talvez Hipócrates, para quem a juventude é, não uma fase da existência, mas um estado de espírito, na ideia poética, talvez falsa, de que o que faz a juventude é o ideal.
Na verdade, ainda que tenha ideais ou a ânsia de viver e de ser útil, o homem (homem aqui novamente em sentido genérico) enfrenta com a idade problemas que não se resolvem nem com vontade nem com bom senso: a carne é fraca, ainda que seja forte o espírito. E por fraqueza da carne entenda-se aquilo que o “acidente de Senectus” produz , no dizer de Augusto dos Anjos: “a miséria anatômica da ruga”. E não me refiro à ruga como a carquilha que estria o corpo e tortura a mente, mas como um símbolo de destruição e de aniquilamento, como uma sanguessuga que leva à degeneração dos tecidos, ao enfraquecimento dos órgãos, ao surgimento de dores, de artrites, de problemas geriátricos inevitáveis.
Disse eu uma vez, comentando as queixas de Manoel Lobato a respeito da própria velhice, que o triste não é envelhecer, mas não saber envelhecer. Perdoe-me o leitor a palinódia: o triste é envelhecer mesmo. “Melhor idade” para designar a velhice é bobagem ou conversa para boi dormir. A melhor idade é a da juventude, entre os 15 e os 30 anos. E “terceira idade” é outra bobagem ou um contrassenso, porque acredito que só haja duas idades: a do jovem e a do velho. Rendo-me não aos argumentos de Manoel Lobato, porque ele não me contestou, mas aos argumentos da própria vida.
O poeta maranhense Alfredo de Assis, num soneto chamado “Pranto e riso”, diz com acerto, embora com crueldade: “No pranto da criança não diviso / mágoa nenhuma: é todo luz e encanto. / Tem, nuns restos de sol e paraíso, / toda a ternura matinal de um canto. // Mas de um velho, num rápido sorriso, / mágoas profundas eu percebo entanto./ No pranto da criança há quase riso. / No sorriso do velho há quase pranto.// Um velho ri: é um pôr do sol que chora. / Chora a criança: é como se uma aurora / num chuveiro de pétala se abrisse.// E tem muito mais luz, mais esperança, / a lágrima, nos olhos da criança, / que um sorriso, nos lábios da velhice.”
Fiquemos com a ironia lúcida de um aparente nonsense de Bernard Shaw: a juventude é uma coisa bonita demais para ser desperdiçada com os jovens.
A velhice é triste. A velhice é muito triste. A velhice é tristíssima.
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(Publicado inicialmente em 10-07-2002)
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