HAI-KAIS IRREVERENTES
José Augusto Carvalho
Não tenho do verso a ciência,
Mas gosto de pôr à prova
Minha própria incompetência.
*
O meu ser é carcomido
De tanto ser e não ser
Na dor de nunca ter sido.
*
Aproxima-se o meu fim.
Quando eu morrer,
O que serei de mim?
*
Estou banhado em suor.
Bátegas caem sobre o pão.
Seu sabor será melhor?
*
Quando chegar minha hora
Talvez eu ache um jeitinho
De não ir embora.
*
O sentido da vida consiste
Em procurar para ela
Um sentido que inexiste.
*
Os meus hai-kais,
Se vêm da fé,
São imorais.
*
A pedra cai na água fria,
E as ondas que faz se espalham
Na minha mente vazia.
*
Eis um poeta da gema:
O vento que agita as ramas
Segreda um longo poema.
*
Minha crença é esta, em suma:
Deus, antes de criar tudo,
Não tinha idade nenhuma.