Quinta-feira, 09 de Fevereiro de 2012

Arrumando e rearrumando papeis antigos, na presunção de manter viva a lembrança de um tempo que irremediavelmente desapareceu na voragem do movimento planetário que gera e cavalga o tempo, encontrei estes versos da juvenília. São dois glosamentos em forma imitada de Bocage. Não importa, agora, a qualidade; apenas dou a conhecer o que eu escrevia e como escrevia, na adolescência. Revisitar o passado é, muitas vezes, acariciar a memória do que fomos.


I

O PENEDO


Oh, alta serra das neves
donde o penedo caiu!...
Ninguém diga o que não sabe
nem afirme o que não viu!


(quadra popular)

1
Nas asas do pensamento,
que nunca as houve mais leves,
encontrei-me, num momento,
«oh, alta serra das neves»,
no teu cume de cristal,
onde o reino vegetal
jamais medrou ou floriu!
Lá vi, do alto duma fraga,
essa parte, agora vaga,
«donde o penedo caiu».


2
Pelos fraguedos rolando,

que a desgraça a todos cabe,
foi ao mundo aconselhando:
«ninguém diga o que não sabe!»
Do tumular desfiladeiro,
já no esforço derradeiro,
que a voz do eco repetiu
por vales e por montanhas,
ainda arrancou das entranhas:
«nem afirme o que não viu!»




II

LUTA INTERIOR


Comigo me desavim,
sou posto em todos o perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.


Francisco Sá de Miranda
(1481-1558)


1
Cansado de procurar

a Lei do Princípio e Fim,
sem a poder encontrar,
«comigo me desavim».
Que razão em vão procuro
do Passado e do Futuro?
Como louco me persigo!
Quero hoje, amanhã não quero!
E, com tanto desespero,
«sou posto em todo o perigo».

2
Este viver, mar de fel,

a todo o instante maldigo.
Não posso viver com ele,
«não posso viver comigo»!
Esta vida, este martírio,
este constante delírio,
só na morte terá fim...
Meu destino está traçado:
Não posso fugir do Fado
«nem posso fugir de mim»!


Nota:
Textos com uma única publicação, no jornal República (suplemento República das Letras e das Artes), em 27 de Agosto de 1965.
Cordiais saudações.



publicado por Do-verbo às 15:25
Quarta-feira, 01 de Fevereiro de 2012
 

 

Revisito a ternura a doer na lembrança.
Tremeluz neste anelo um soluço criança.
 
A memória percebe a mensagem cifrada:
o impossível regresso ao regaço perdido.
Não há chama que acenda um pavio consumido
nem há eco da voz para sempre calada.
 
Há apenas a dor a ferir a lembrança.
E uma lágrima sulca impiedosa o meu rosto.
Do que fui, só restou, na saudade, o desgosto
de não mais, nunca mais!, ser de novo criança.
 
E pergunto o porquê, que só lágrimas gera.
E ninguém me responde! E ninguém dá por mim!
E o meu grito se esvai em angústias de fim,
sufocado a sonhar-se outra vez primavera…
 
 
José-Augusto de Carvalho
31 de Janeiro de 2011.


publicado por Do-verbo às 05:25
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