Domingo, 09 de Janeiro de 2011
Alentejo em flor + Fonte: Internet

 

Os velhos cofiam as barbas nevadas pelos anos.
Da encosta do cerro, avista-se a limpa.
Os raros trigais ondulam ao sabor da brisa,
acenando o pão às bocas ansiosas
que esperam pelo milagre de Maio,
marcado no calendário dos homens
como a certeza duna promessa sempre cumprida.
 
Os velhos, com os olhos cansados
de olharem o passar gelado dos invernos,
fumam, em silêncio,
em cachimbos de cana,
um tabaco ruim e fedorento,
e cospem, para o chão poeirento,
grandes quantidades de saliva
impregnada de nicotina e de paciência.
 
Os velhos acariciam maquinalmente as crianças
que brincam no chão poeirento,
alheadas dos pensamentos que engelham
os rostos taciturnos e tisnados dos velhos.
 
A tarde está no fim.
O céu, incendiado, a poente, regista o adeus do sol.
A sombra, morna, abraça a limpa e o cerro.
Os velhos de barbas nevadas pelos anos
olham sempre em frente e em silêncio.
E a escuridão cai como uma cegueira irremediável.
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 5 de Maio de 1996.


publicado por Do-verbo às 08:55
Domingo, 09 de Janeiro de 2011
Goya * Fonte: Internet
 
Com o coração a sangrar em Timor
 
 
É este circo global,
onde os monstros se amontoam
e onde até os répteis voam,
em trágico carnaval...
 
É esta arena sangrenta
de presas e predadores,
donde a justeza se ausenta,
onde só florescem dores...
 
É esta angústia pungente,
onde a morte omnipresente
é o crime sem perdão...
 
É este pântano todo
afogando-se no lodo
de agonia e de aflição...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
7 de Setembro de 1999.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 08:08
Domingo, 09 de Janeiro de 2011
 
As vítimas do tempo e o temos dos algozes.
Incómodo é, no tempo, o tempo em desafio.
Em cada pôr de sol, cinzento, insone e frio,
deslumbram-se, a sangrar, brutais apoteoses.
 
O tempo que se quer, no verbo o seu agir.
Eu sou, tu és, ele é, nós somos o sujeito.
O medo arranca, a frio, o coração do peito
e o corpo inerme cai, doendo, a sucumbir.
 
O tempo convenção, exacto e por medida.
O tudo e o nada, o perto e o longe, aquém e além.
O amor e a dor, a paz e a guerra, o mal e o bem.
No cativeiro jaz a terra prometida.
 
O tempo já cumprido e o tempo por cumprir.
Sem Judas nem Cains, o sonho a resistir.
 
 
José-Augusto de Carvalho
4 de Junho de 1997.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 07:36
Sábado, 08 de Janeiro de 2011
 
 
Tenaz
é este tempo sempre em busca de mudança,
correndo decidido e que nos leva e traz
o sonho que se esvai e se ergue da esperança...
 
Tenaz
é este tempo ousando a força da vontade
em tempos dividido, inteiro e sem idade,
escombros do que foi, no barro em que se faz...
 
Tenaz
é este tempo, a flor adivinhando o fruto,
a polpa, o sumo, o aroma, o ser que se desfaz
e se refaz semente em auras de absoluto...
 
Tenaz
é este tempo, a guerra em parto, vida e paz!
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 19 de Dezembro de 1996.


publicado por Do-verbo às 14:44
Sábado, 08 de Janeiro de 2011
Para Vasco Massapina
 
O espaço é o desafio.
A mão, trémula e suspensa,
é, no gesto, a forma densa
a esventrar o vazio.
 
Hirtos e determinados,
o esquadro, a régua, o compasso
ansiando pelo traço
de esboços adivinhados...
 
A mente, num turbilhão,
aguardando o golpe de asa,
cresce, avassala e abrasa
e encandeia, num clarão.
 
O sonho o milagre tece...
Céus, e o homem acontece!
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 22 de Dezembro de 1996


publicado por Do-verbo às 14:06
Sábado, 08 de Janeiro de 2011
Casimiro de Abreu
Capivary, 4 de janeiro de 1839.
Nova Friburgo, 18 de outubro de 1860.
*
Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
meu Deus, não seja já!
 

***
Censura
 
*
Senhor, não me deixaste
morrer na flor dos anos...
...e assim me condenaste
à sanha dos tiranos!
/
 
Os ombros me vergaste
com o peso dos danos...
...e assim me abandonaste,
sem fé, aos desenganos!
/
 
Quando o barro moldaste,
os meus sonhos criaste
divinos e profanos.
/
 
Uniste a flor à haste
que depois desfolhaste
com a ira dos humanos.
*
José-Augusto de Carvalho
(In «vivo e desnudo», Editorial Escritor, Lisboa, 1996)


publicado por Do-verbo às 08:55
Sexta-feira, 07 de Janeiro de 2011
 
A angústia dos arquivos, o vazio...
Doendo um tempo sórdido  e sombrio...
 
Escrevo os gritos nas paredes frias
e a minha voz ecoa pelas ruas...
Inertes, no silêncio, as sombras nuas
um medo sacralizam, de agonias...
 
Profana, impura e vil é esta argila,
moldada p'la distância imersa em mitos...
Quem dorme o pesadelo dos proscritos
e bebe o fel que a negação destila?
 
Em autos de má fé, os meus tiranos
a cinza me reduzem com seus medos...
E grito e morro em dor e desenganos...
E impunes, nos arquivos, os segredos...
 
 
José-Augusto de Carvalho
11 de Fevereiro de 1997.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 15:20
Sexta-feira, 07 de Janeiro de 2011
 
 
 
 
Quando Amine trazia o perfume dos dias,
que esplendor do devir em abril florescia!
*
 
Era abril-primavera ensinando a cantiga
da esperança a cumprir a perene oração...
Era o tempo de ser a promessa da espiga
que madura será a fartura do pão...
*
 
Neste tempo de agora, esfumou-se o perfume.
Só o vento suão enternece o vazio,
na vigília do tempo, em golfadas de lume
e lampejos de luz aquecendo este frio.
*
 
E eu porfio doendo a saudade dos dias,
nesta ausência de Amine em auroras de espanto!
E eu porfio no tempo em que Abril florescias,
num poema de amor que entre lágrimas canto...
*
*
 
 
Tuphy Mass
Al Andalus, 3/8/2010.


publicado por Do-verbo às 13:45
Sexta-feira, 07 de Janeiro de 2011
 
 
Este tempo de estar, actor que representa
não a vontade extravasando impulsos,
mas sempre a rigidez, que lhe algemando os pulsos,
dói tanto em seu doer, numa tortura lenta.
 
As regras a cumprir, perversas e castrantes.
Dos outros, o querer -- a norma imperativa.
E tudo se reduz à condição cativa
do grão a germinar em haustos hesitantes.
 
A terra exausta é dura e débil a promessa.
Extensos, os adis erguidos na recusa.
E a fome espera o pão sagrado que a seduza,
nos braços que hão-de haver a vida que começa.
 
E o tempo, noutro tempo, em ânsia transmutado,
num deslumbrante sol que raia deslumbrado!
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
24 de Outubro de 1998.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 11:15
Sexta-feira, 07 de Janeiro de 2011
 
De tribo em tribo, vou, humilde peregrino.
E tudo em derredor são sombras e armadilhas.
Um bobo impertinente exibe o desatino,
a turba exulta e faz do reles maravilhas...
 
Medíocre insecto arenga, em sórdido arreganho.
Casaca a condizer, as asas coloridas.
Asneiras que lhe inveja o néscio em seu tamanho.
E aqui não há ninguém que venda insecticidas!...
 
Humilde sou e humilde eu quero assim manter-me.
Traído o seu intento, verbo foi em vão.
Não é inteligente equiparar-me ao verme.
Humilde, sim, serei, mas sem humilhação.
 
Paguei o preço até ao último centavo.
Ingénuo, e em dor, senti do fel o amargo travo...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
8 de Junho de 1996.
Viana * Évora * Portugal


publicado por Do-verbo às 10:56
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