Domingo, 09 de Janeiro de 2011
 
 
 
São estes campos doídos,
sempre a dizerem que não
aos nossos braços caídos
por sem trabalho nem pão...
 
É este arame farpado
a prender o nosso chão,
como se fosse um danado
campo de concentração...
 
É esta dor ferrugenta
minando os nossos arados...
É esta terra sedenta
dos trigais já condenados...
 
É esta angústia de ser,
morrendo sem se render...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
22 de Abril de 1998.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 16:21
 
 
O relógio parado.
Há um tempo de assombros
neste fardo pesado
esmagando-me os ombros.
 
 
Quando um número primo,
do comando, a pantalha enrubesce
e, no fundo do pântano, o limo
é notícia e floresce
 
 
É urgente o momento total,
situando um presente sem muros
e um jogral
prevenindo os futuros...
 
 
É urgente
sermos gente!
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 8 de Maio de 1997.


publicado por Do-verbo às 15:06
 
Carrego a minha dívida de mim,
cumprindo a pena imposta até ao fim.
 
Da treva ou do mistério donde vim
à treva ou ao mistério que me espera,
espaço e tempo -- a sombra de Caim,
intemporal, persiste e dilacera...
 
E tudo é feio e gélido e ruim.
O inútil acontece e desespera.
Morreram os canteiros no jardim,
em maldição estéril e severa.
 
Que espírito ou desígnio de Eloim,
por sobre os ares paira e o sonho gera?
O sonho ensanguentado de Caim,
que nem remorso ou prece regenera...
 
 
José-Augusto de Carvalho
Moita (B.B.), 7 de Julho de 1995.


publicado por Do-verbo às 14:44
 
 
 
Vocês vieram depois
das trevas da noite densa
e encaram com displicência
os medos da nossa insónia...
 
 
Vocês vieram depois
dos tempos das grandes fomes,
quando nos negaram ter
nosso tempo de meninos...
 
 
Vocês vieram depois
do tempo da delação,
das masmorras e torturas
de todos os tarrafais...
 
 
Vocês vieram depois
do tempo náusea e vergonha
em que tínhamos vergonha
do medo que sufocava...
 
 
Vocês vieram depois
e nem sequer lhes ocorre
que nós arriscámos tudo
para erguer este depois...
 
 
Vocês vieram depois
e não nos devem nada...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 3 de Setembro de 1996.


publicado por Do-verbo às 14:18
Alentejo em flor + Fonte: Internet

 

Os velhos cofiam as barbas nevadas pelos anos.
Da encosta do cerro, avista-se a limpa.
Os raros trigais ondulam ao sabor da brisa,
acenando o pão às bocas ansiosas
que esperam pelo milagre de Maio,
marcado no calendário dos homens
como a certeza duna promessa sempre cumprida.
 
Os velhos, com os olhos cansados
de olharem o passar gelado dos invernos,
fumam, em silêncio,
em cachimbos de cana,
um tabaco ruim e fedorento,
e cospem, para o chão poeirento,
grandes quantidades de saliva
impregnada de nicotina e de paciência.
 
Os velhos acariciam maquinalmente as crianças
que brincam no chão poeirento,
alheadas dos pensamentos que engelham
os rostos taciturnos e tisnados dos velhos.
 
A tarde está no fim.
O céu, incendiado, a poente, regista o adeus do sol.
A sombra, morna, abraça a limpa e o cerro.
Os velhos de barbas nevadas pelos anos
olham sempre em frente e em silêncio.
E a escuridão cai como uma cegueira irremediável.
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 5 de Maio de 1996.


publicado por Do-verbo às 08:55
Goya * Fonte: Internet
 
Com o coração a sangrar em Timor
 
 
É este circo global,
onde os monstros se amontoam
e onde até os répteis voam,
em trágico carnaval...
 
É esta arena sangrenta
de presas e predadores,
donde a justeza se ausenta,
onde só florescem dores...
 
É esta angústia pungente,
onde a morte omnipresente
é o crime sem perdão...
 
É este pântano todo
afogando-se no lodo
de agonia e de aflição...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
7 de Setembro de 1999.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 08:08
 
As vítimas do tempo e o temos dos algozes.
Incómodo é, no tempo, o tempo em desafio.
Em cada pôr de sol, cinzento, insone e frio,
deslumbram-se, a sangrar, brutais apoteoses.
 
O tempo que se quer, no verbo o seu agir.
Eu sou, tu és, ele é, nós somos o sujeito.
O medo arranca, a frio, o coração do peito
e o corpo inerme cai, doendo, a sucumbir.
 
O tempo convenção, exacto e por medida.
O tudo e o nada, o perto e o longe, aquém e além.
O amor e a dor, a paz e a guerra, o mal e o bem.
No cativeiro jaz a terra prometida.
 
O tempo já cumprido e o tempo por cumprir.
Sem Judas nem Cains, o sonho a resistir.
 
 
José-Augusto de Carvalho
4 de Junho de 1997.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 07:36
Registo de mim através de textos em verso e prosa.
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