Quinta-feira, 06 de Janeiro de 2011
 
Só as árvores nuas
a tremerem de frio
no vazio
destas ruas.
 
Uma folha esvoaça.
Um fugaz movimento
ou doído lamento
ante a morte que passa...
 
Sob o céu enublado,
só a aragem suspira
resistindo à mentira
dum sossego assombrado.
 
Na parede, cansado,
o relógio parado...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 7 de Setembro de 1996.


publicado por Do-verbo às 17:15
 
 
Há um tempo cumprido.
Há um tempo a cumprir.
Um minuto perdido
é andar e não ir...
 
Na boca que receia,
um grito sufocado
no presente semeia
um futuro adiado.
 
Quem ousa a não palavra
da renúncia grosseira
esmagando o clarão?
 
Num arado que lavra,
a esperança inteira
do milagre do pão!
 
 
 
José-Augusto de Carvalho~
Lisboa, 13 de Maio de 1996.
Viana, 6 de Janeiro de 2011.


publicado por Do-verbo às 16:41
 
 
Alentejo que não tinhas
sombra senão a do céu,
como outras coisas não tinhas,
q1ue tens tu que seja teu?
 
A desilusão de um nome
e de filhos naturais,
uma bandeira de fome
e um céu distante de mais....
 
Mas na desgraça cantavas
um lamento em desvario,
num coro de condenados...
 
Levava o vento as palavras,
gemendo, num calafrio,
os assombros dos montados...
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 25 de Agosto de 1996


publicado por Do-verbo às 16:17
 
Que trémulo farol inventa os medos?
Que dor doendo todos os degredos?
 
Os ídolos extáticos na lenda.
Cinzéis impondo formas aquilinas.
E a vida, sempre em transe, só desvenda
a luz que malespreita nas esquinas...
 
As portas da cidade estão guardadas.
Quem abe e quem revela o santo e a senha?
Muralhas que não dou por escaladas...
Ai, que renúncia assim de mim desdenha?
 
Que dor e que torpor me dói e desce
até ao imo envolto em desespero?
Oh, braço do temor prisioneiro,
no chão raízes ganha  e livre cresce!
 
 
José-Augusto de Carvalho
11 de Março de 1997.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 15:28
Túmulo de Inês de Castro (Mosteiro de Alcobaça)
 
 
Uma Quinta de Lágrimas chora
a saudade do tempo e de nós.
Dum Olimpo sem deuses nem voz
só um ermo nos chega e devora.
 
Ainda ecoam os passos de Inês
p'los caminhos cobertos de flores,
encantando os lendários amores
que a vontade dos homens desfez.
 
Um enleio perfeito de mais,
num país adiado e imperfeito,
que se afirma e se nega na história.
 
Coração que, perdido em seus ais,
já não cabe nem dentro do peito
da tragédia a doer na memória.
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 20 de Março de 1996.


publicado por Do-verbo às 15:10
 
 
Já nasci na prisão.
Fiz do medo
um brinquedo
que trazia na palma da mão.
Fui menino enjeitado.
Fui soldado.
Fui adulto explorado.
Fui vexado.
Vi o medo tolher
quantos homens sem medo!
Vi crianças comer
um bocado já duro de pão.
E vi mães em segredo
a beijarem o pão que caíra no chão!
Vi tudo o que era feio!
E, ao fim de tanto anos,
um amargo receio
de não ver
os tiranos
finalmente e de vez expulsos do poder...
Um receio doído,
como a fome sem pão,
como um homem traído
pela vil delação
ou como uma esperança
que a tirania insulta
nas mãos duma criança
condenada a nascer já adulta...
*
 
 
José-Augusto Carvalho
7 de Setembro de 1996.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 14:24
 
 
No meu acontecer,
fui o que pude ser...
*
 
Ergui-me, deserdado.
A certeza enfrentei
do tempo encarcerado...
E sem arma nem lei!
*
 
No escuro mergulhei,
onde o tempo ultrajado
impunha o ser negado...
E sem arma nem lei!
*
 
Não traí nem neguei.
Fui no verbo jurado
o tempo conjugado...
E sem arma nem lei!
*
*
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 15 de Fevereiro de 1997


publicado por Do-verbo às 10:59
  
 
Pão nosso que estás na mesa,
saciando a nossa fome...
Bendito seja o teu nome
de promessa e de certeza!

Pão nosso sempre amassado
com o suor que te damos,
que nunca mais pelos amos
sejas pão amargurado.
 
Vem até nós, por direito,
e que, como um mandamento,
sejas o sagrado alento
que brota da terra-leito!
 
Vem até nós, pão liberto,
que a Terra comum nos dá!
Que sejas como o maná
que já foi pão no deserto!...
 
 
José-Augusto de Carvalho
7 de Julho de 2007.
Viana do Alentejo * Évora * Portugal


publicado por Do-verbo às 10:32
 
 
Os corpos insepultos e os abutres...
Carnificina e horror de que te nutres!
*
Na escuridão do medo, ecoam gritos.
No cimo, errantes, tremeluzem astros.
No chão doído, informes, os detritos,
anúncio e precedência doutros rastros.
 *
No céu, se evola, em mancha nebulosa,
suspensa sobre a lei da gravidade,
o magma, que na via dolorosa,
expia condição e claridade.
 *
No circo, a turba exalta, em sangue, o trono.
César exibe a túnica escarlate. 
Na arena, em agonia e abandono,
as levas condenadas ao abate.

*
*José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 13 de Abril de 1997.


publicado por Do-verbo às 10:25
 
 
 
É quando a morte chega à Feira das Vaidades
que ganha nitidez a nossa condição.
 
É quando o sal amarga e queima as veleidades
que a morte nos reduz à nossa dimensão.
 
É quando a luz do sol, cegando o vaga-lume,
esmaga a pequenez da néscia presunção.
 
É quando por grasnar chilreio se presume
que uma qualquer lamúria intenta ser canção.
 
É quando a Lua-cheia incita à tentação
que a noite se revela enleio enamorado.
 
É quando não há mais varinhas de condão
que o charlatão se quer o príncipe encantado.
 
É quando já ninguém consegue acreditar
que o verso em armas faz da vida o seu altar.


 
José-Augusto de Carvalho
Viana do Alentejo * Évora * Portugal


publicado por Do-verbo às 08:20
 
 
Quem disse e já não diz
que os nossos pés alados
são, na terra, a raiz
de astros incendiados?
 
Quem disse e já não quer
ser verbo e ser futuro,
enqunto o sangue der
cor à luz que procuro?
 
Quem disse e nega agora
ter dito e defendido
que o drama que nos chora
não mais seria havido?
 
Quem disse e não honrou
a jura que jurou?
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
1 de Fevereiro de 1999.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 07:38
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