Segunda-feira, 24 de Janeiro de 2011
 
 
 
 
Ai, quantas vezes, e me cansa tanto!,
eu dou comigo a perguntar por mim!...
Que estranhas dúvidas em mim levanto?
Que mais importa? O se ou por que vim?
 
 
No chão, a sombra que desenho, errando,
num sortilégio, desconstrói o nexo.
Difusa sombra, desafia o quando
e o como além do meu estar perplexo!...
 
De sul, a brisa acaricia, mansa.
A natureza, adormecida, sonha...
Apenas eu, nesta evasão que cansa,
cansado espero o que o devir disponha.
 
Ah, e depois de definido o rumo,
que eu arda todo e me desfaça em fumo!
 


 
José-Augusto de Carvalho
3 de Agosto de 2010
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 13:23
Quarta-feira, 12 de Janeiro de 2011
.
 
Quando o desespero
jazia, resignado, nas masmorras,
incapaz de entrever as auroras boreais...
.
 
...o poeta castrado chorava:
O meu cantar é tão doído, é um soluço
que embarga a minha voz!...
.
 
...o aprendiz de sábio afirmava,
do cimo da sua ignorância laureada,
que sempre houve pobres e ricos...
.
 
...os senhores do tempo e do espaço
(por detrás dos mastins,
que noite e dia vigiavam, implacáveis)
embruteciam-se em báquicas orgias...
desafiavam fantasias pantagruélicas...
insultavam a decência e a inteligência
em obscenas irracionalidades...
.
 
...o verbo do feitiço
imolava as presas em aras de sangue,
purificando o rebanho em piras incendiadas...
proclamava a diferença incensada
do poder e da servidão...
garantia a chave miraculosa que haveria
de abrir os portões dum mundo onírico
aos humilhados e ofendidos
mas só após a morte...
.
 
...os predadores e as presas,
sem poetas castrados,
sem sábios aprendizes,
sem senhores nem mastins,
sem feitiço nem feiticeiros,
conjugavam o verbo existir na harmonia
natural e bastante da transitoriedade
do insondável mistério do ser e do não-ser...
.
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 18 de Maio de 1997.


publicado por Do-verbo às 16:33
Terça-feira, 11 de Janeiro de 2011
 
 
 
São os campos imensos,
sem suor e sem pão!
São os músculos tensos,
tensos, tensos em vão!
 
São tão rudes e densos
estes campos de estevas!
São tão negros os lenços
de miséria e de trevas!
 
São inúteis os dias,
mortos de desencanto,
a gritar agonias
em sepulcros de espanto!
 
Amargurada terra,
quem de ti te desterra?
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
30 de Abril de 1998.
Viana * Évora * Portugal 


publicado por Do-verbo às 15:45
Terça-feira, 11 de Janeiro de 2011
 
 
 
Deserto de silêncio que não venço.
Areias de miragens e desdém.
O verbo de incerteza e dor suspenso
da força da vontade que não vem.
 
Da força de vontade que não minha,
que este suor me empapa inteiro o rosto...
A minha parte dou da nossa vinha
e as uvas que pisei e já são mosto...
 
Até ao fim será este o caminho.
A dúvida recuso se perpassa
e tenta me toldar o racicocínio.
 
Que cheiro a vinho novo! Santo vinho!
Homem, ergue bem alto a tua taça
e envolve a terra e o céu no teu fascínio!
 
 
José-Augusto de Carvalho
27 de Janeiro de 1997.
Viana * Évora * Portugal


publicado por Do-verbo às 15:23
Terça-feira, 11 de Janeiro de 2011
 
Foi cumprindo calendário
que chegaste à hora certa.
É o verbo milenário,
presente, nesta hora incerta.
 
É mais um aniversário
que na esperança desperta
este marasmo diário
da tua igreja deserta.
 
Igreja que é assembleia
e não o templo onde outrora
uivavam em alcateia
os doutores de outroragora.
 
Da treva ainda na cruz,
Agnus dei -- instante luz!
 
 
José-Augusto de Carvalho
Dezembro de 1998.
Viana * Évora * Portugal


publicado por Do-verbo às 14:38
Terça-feira, 11 de Janeiro de 2011
 
Aos ombros carregando um mundo de aflição,
bateste à minha porta, exposto e tartamudo.
Olhei-te e vi em ti o rosto magro e ossudo
de quem, sem mais poder, cedia à provação.
 
Na tua timidez, olhava-me o menino
querendo ser, sem ser, o homem que queria...
Que redutor padrão de angústias assumia
essa aflição que em ti fervia em desatino!
 
Abri-te a porta e a luz vestiu-te com seu manto.
Lá fora, a noite fria em negra intensidade.
Vencido o desamparo, ousaste a realidade,
e, viva, em ti, brotou a vida, em novo canto.
 
E viste-te crescer. E adulto, de repente,
partiste ao teu encontro, à luz do sol nascente!...
 
 
José-Augusto de Carvalho
17 de Agosto de 1998.
11 de Janeiro de 20011.
Viana *Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 10:51
Domingo, 09 de Janeiro de 2011
 
 
 
São estes campos doídos,
sempre a dizerem que não
aos nossos braços caídos
por sem trabalho nem pão...
 
É este arame farpado
a prender o nosso chão,
como se fosse um danado
campo de concentração...
 
É esta dor ferrugenta
minando os nossos arados...
É esta terra sedenta
dos trigais já condenados...
 
É esta angústia de ser,
morrendo sem se render...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
22 de Abril de 1998.
Viana*Évora*Portugal


publicado por Do-verbo às 16:21
Domingo, 09 de Janeiro de 2011
 
 
O relógio parado.
Há um tempo de assombros
neste fardo pesado
esmagando-me os ombros.
 
 
Quando um número primo,
do comando, a pantalha enrubesce
e, no fundo do pântano, o limo
é notícia e floresce
 
 
É urgente o momento total,
situando um presente sem muros
e um jogral
prevenindo os futuros...
 
 
É urgente
sermos gente!
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 8 de Maio de 1997.


publicado por Do-verbo às 15:06
Domingo, 09 de Janeiro de 2011
 
Carrego a minha dívida de mim,
cumprindo a pena imposta até ao fim.
 
Da treva ou do mistério donde vim
à treva ou ao mistério que me espera,
espaço e tempo -- a sombra de Caim,
intemporal, persiste e dilacera...
 
E tudo é feio e gélido e ruim.
O inútil acontece e desespera.
Morreram os canteiros no jardim,
em maldição estéril e severa.
 
Que espírito ou desígnio de Eloim,
por sobre os ares paira e o sonho gera?
O sonho ensanguentado de Caim,
que nem remorso ou prece regenera...
 
 
José-Augusto de Carvalho
Moita (B.B.), 7 de Julho de 1995.


publicado por Do-verbo às 14:44
Domingo, 09 de Janeiro de 2011
 
 
 
Vocês vieram depois
das trevas da noite densa
e encaram com displicência
os medos da nossa insónia...
 
 
Vocês vieram depois
dos tempos das grandes fomes,
quando nos negaram ter
nosso tempo de meninos...
 
 
Vocês vieram depois
do tempo da delação,
das masmorras e torturas
de todos os tarrafais...
 
 
Vocês vieram depois
do tempo náusea e vergonha
em que tínhamos vergonha
do medo que sufocava...
 
 
Vocês vieram depois
e nem sequer lhes ocorre
que nós arriscámos tudo
para erguer este depois...
 
 
Vocês vieram depois
e não nos devem nada...
 
 
 
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 3 de Setembro de 1996.


publicado por Do-verbo às 14:18
Registo de mim através de textos em verso e prosa.
mais sobre mim
blogs SAPO
Janeiro 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
13
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
25
26
27
28
29

30
31


pesquisar neste blog
 
subscrever feeds