Tú miraste el carmín de las mañanas,
encendido en los pechos libertarios
Tú miraste el carmín de las mañanas,
encendido en los pechos libertarios
O músculo cardíaco bombeia.
Num tique-taque, a morna melopeia...
Nas têmporas, palpita o sangue vivo,
correndo o corpo todo numa ronda.
Sustenta, aquece, alaga e atento sonda,
instante, num vaivém imperativo.
Não pára o seu labor e não reclama
por horas de descanso ou regalias.
Só quando eu ajo contra mim me chama,
vergando perigosas ousadias.
Num dia por haver, quando será?,
exausto do labor ou agredido,
meu tempo de existir silenciará
e nada, além de mim, fará sentido...
José-Augusto de Carvalho
23 de Outubro de 2005.
Viana * Évora * Portugal
Sempre no meu peito,
aroma da flor,
meu amor-perfeito,
meu perfeito amor.
E sempre, na cor,
o perfeito encanto
da graça da flor
que encantado canto!
Nesta condição
de querer-te tanto,
quero ser o chão
onde, em mim, te planto!
Medra no meu chão,
minha flor de encanto,
e o meu coração
envolve em teu manto!
E quando eu me for,
que ainda em meu peito,
vicejes, em flor,
meu amor-perfeito!
José-Augusto de Carvalho
26 de Março de 2009.
Viana * Évora * Portugal
Cumprida a rotação,
marcava mais um dia o calendário.
E sempre este fadário
de versos na tristeza da canção.
É noite, agora? Ou dia? Quem o sabe?
Dolentes guitarradas
gemem desesperadas
no tempo do silêncio que lhes cabe.
A voz se solta rouca e chora o canto
fatal do sofrimento,
enquanto o xaile negro, em negro manto,
enluta o desespero do lamento.
E assim, no desencontro da existência,
monótona se cumpre a rotação,
sofrida no fadário da cadência
que marca o calendário da canção.
José-Augusto de Carvalho
6 de Março de 2009.
Viana * Évora * Portugal
Quadro «O Fado», do pintor José Malhoa
José Vital Branco Malhoa
(Caldas da Rainha, 28 de Abril de 1855 –Figueiró dos Vinhos, 26 de Outubro de 1933),
Pintor, desenhista e professor português.
Etérea, a sua voz afaga os meus sentidos.
Silêncios de emoção perfumam as carícias
das noites estivais, sulcando, diluídos,
as flores dos jardins suspensos das delícias.
São olhos-de-água e sede as pérolas brotando,
multímodas na cor, murmúrios de oração...
Suspiram madrigais as pétalas arfando,
sortílego rubor de encanto e sedução...
Em manto verde e fofo, a erva se espreguiça,
do chão, olhando o céu, num êxtase absoluto...
A rima beija o verso e toda se derriça
no manso baloiçar de apetitoso fruto...
Meus olhos semicerro e as lágrimas, caindo,
escrevem no meu rosto este poema lindo...
José-Augusto de Carvalho
10 de Novembro de 2003.
Várzea, S. Pedro do Sul, Portugal
Poeta, quem és tu, que tanto delicias
a bela Poesia, em êxtases extremos?
És tu, Orfeu, a quem nós todos nos devemos,
que regressaste à vida em cantos de magia?
Eurídice morreu. A barca de Caronte
ao Hades a levou. Deixou-nos o seu mito.
Não queiras mais sofrer. Teu lancinante grito
rasgou a treva e dói nos longes do horizonte.
O teu amor, na dor da perda nos perdeu.
O desencontro impôs só os caminhos tristes.
Não mais, depois de ti, o dia amanheceu.
Resigna-te ao teu fim. Orfeu, por que resistes
ao frio do não-ser na paz que te acolheu?
Por ti, sofremos nós! E em todos nós existes!
José-Augusto de Carvalho
Setembro de 2002.
Viana do Alentejo * Évora * Portugal
O tempo que me coube são as horas
marcadas no relógio do teu peito,
exactas, sem angústias nem demoras,
suaves nesse altar de amor perfeito.
No tempo, sejam horas ou desoras,
teus braços são o ninho em que me deito,
teus olhos são as rútilas auroras
que inundam de manhãs o nosso leito.
São estas horas certas que entreteces,
determinando o tempo singular,
que dão à vida a plena dimensão.
Ah, tempo, que de vida me esmaeces!
Consente que os meus anos, no passar,
sublimem este mel no coração.
José-Augusto de Carvalho
12 de Setembro de 2004.
Viana * Évora * Portugal
Não mais o tempo em mim contou as horas.
O tempo-convenção é a medida
dos ritmos, das angústias, das demoras
caindo nas valetas, sem guarida.
O tempo sem medida, o tempo todo,
raiado de matizes de infinito,
acima está da náusea deste lodo,
lá onde o gosto a fel é interdito.
Descer ao tempo ignaro, ao ventre escuro,
de escórias prenhe, é reduzir o ser
ao magma informe e frio de um monturo,
representar a farsa do não-ser...
Meu tempo, que sem portas e sem horas,
em mim, noivado lírio, livre moras...
José-Augusto de Carvalho
Viana * Évora * Portugal
1.
No princípio, o verbo quis,
em conjugações obscuras,
ser grão e depois raiz
do chão projectando alturas...
Desnudo, no paraíso,
o par de divina essência
cantava, no tom preciso,
o elogio da indolência.
Do seu cume imperativo
e projectando o perfil
pelas lonjuras de anil,
deus olhava o par cativo.
E, certo da tentação,
provocou a transgressão.
2.
Expulso do paraíso
no primeiro alvorecer,
era ainda um improviso
a vida que houve de ser.
Adão pesou, pensativo,
o gesto da divindade
e a condição de ex-cativo,
encontrada a liberdade.
E naquela antemanhã,
que mal podemos supor,
percebeu por que a maçã
tinha um estranho sabor:
o sabor da inteligência
acordando a consciência.
3.
Pródiga era a natureza!
Tudo dava, hospitaleira...
Viver era uma beleza,
sem transtorno nem canseira.
Sentia às vezes saudade
do paraíso perdido...
Mas fora a sua vontade:
assim tinha decidido.
Lá, tinha que obedecer,
ser aplicado no estudo
e ouvir e não rebater...
A liberdade era assim:
não se podia ter tudo
dentro ou fora do jardim...
4.
Sem armas e sem abrigos,
um ninho nos ramos altos,
prevenia os sobressaltos
dos mais diversos perigos.
Nessa arte da construção
imitou os primos símios,
que eram astutos e exímios,
arquitectos de eleição.
Gozando a paz absoluta,
descobriu ser bom pensar:
e concluiu que uma gruta
era o lar a conquistar,
por ser melhor tal intento
do que viver ao relento.
5.
Um dia, o par decidiu
o que há de mais natural:
Eva emprenhou e pariu
o pecado original...
E do seu cálido ninho,
recendendo a puridade,
foi descoberto o caminho
terrestre da humanidade.
E tudo assim sem alarde,
nem hosanas nem prebendas...
Não foi cedo nem foi tarde.
Depois vieram as lendas,
vestindo de cor e rito
o simbolismo do mito.
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, Casa do Alentejo, 27 de Junho de 2009.
Se lançar este meu livro nesta muito amada cidade de Lisboa já é um privilégio, duplo privilégio é estar sob estes tectos da Casa do Alentejo, marco incontornável da presença alentejana na capital do país.
Bem-hajas, Lisboa, minha amada cidade de acolhimento!
Bem-hajas, Casa do Alentejo, presença física do meu Alentejo pátrio!
Estas são as minhas primeiras palavras, naturalmente de sentida gratidão.
Também estas outras de agradecimento são para os poetas e editores Xavier Zarco e Paulo Afonso Ramos, por terem acreditado na edição de «Do Mar e de Nós»
Bem-hajam, Companheiros!
Neste livro, editado sob a chancela de Temas Originais, e, agora, apresentado pelo poeta Xavier Zarco, há a nostalgia do mar e dos nossos antepassados, que, intrepidamente, quiseram, puderam e souberam projectar a Pátria para muito além dos limites estreitos, geograficamente definidos nesta faixa ocidental da Ibéria.
Desses homens grandes, nossos antepassados, disse Camões, lapidarmente, que da inexorável Lei da Morte se libertaram. E muito justamente, porque foram eles que ergueram uma Pátria que ganhou o respeito e a admiração do Mundo. E, como poucos, cumpriram-se como homens.
Raramente os mereceram os governantes da época. E, menos ainda, os cortesãos, que, nos corredores do Paço, alimentando-se de sinecuras e de ócio, sempre se entretiveram com intrigas e invejas, anunciando a «apagada e vil tristeza» de que Camões também amarguradamente nos fala.
A esses governantes e validos remonta a mediocridade cinzenta e mesquinha que haveria de perdurar por séculos, para desgraça da Pátria e desgosto de quem tudo deu por ela.
As viúvas e os órfãos, com as suas lágrimas, mais salgaram ainda o salgado mar.
Os avisados Velhos do Restelo não foram ouvidos, mas nem os excessos nem os erros poderão empequenecer a glória de que muito nos orgulhamos.
Não há saudosismo em quanto digo, apenas, sim, há o desgosto de não mais termos conseguido fazer por merecer tamanha grandeza. E aqui me socorro de Fernando Pessoa que, na sua «Mensagem», apela a que busquemos, hoje, de novo, a distância. E cito de cor: «Do mar ou outra, mas que seja nossa!»
E se conquistarmos, hoje, uma outra distância, poderá ser um objectivo de realização deveras problemática, um outro, de mais exíguas proporções será o de contribuirmos para a possível preservação da presença pátria nos quatro cantos mundo, obtida que seja a devida autorização das autoridades governamentais dos países onde ainda nos perpetuamos.
Admito que sejam escassos os nossos recursos financeiros, mas não o serão os recursos humanos. Há muitos portugueses aposentados que de bom grado rumariam a essas pa-ragens e se ocupariam, quase sem custos acrescidos, do muito que há a fazer. Assim as autoridades pátrias o reclamem.
Como aposentado, digo: presente! E sei que não estou sozinho!
Finalizando:
Não sei como será recebido este livro. Até poderá ser entendido como um malamanha-do ramalhete de versos. Que seja! Não busco louros nem nunca enverguei a jactância de me considerar um talento das Letras pátrias.
Com este livro apenas cumpro um dever de gratidão. E esta minha atitude terá de ser respeitada. É pouco o que dou? Talvez seja pouco, muito pouco, mas dei o que pude. E se mais não dei foi porque não pude mais.
Ou dizendo de outra maneira, e parafraseando Camões: Se mais pudera, mais dera!
José-Augusto de Carvalho