(para Ena Beatriz)
Depois que Jeová criou este mundão
pegou de um barro à-toa e fez Adão.
Adão, como se sabe, era feliz,
porque vivia só, senhor do seu nariz.
Achando Deus, porém, que lhe devia
dar carinhosa e meiga companhia,
chamou-o, fê-lo dormir sono profundo
e, em menos de um segundo,
entre uma e outra roncadela,
passou-lhe o bisturi, tirou-lhe uma costela.
Depondo-a sobre a banca de oficina,
saiu e foi ao armazém da esquina
comprar tudo o que se requer
para fazer uma mulher:
verniz pra unha, pó de arroz, baton,
essências finas, rouge, algum creme Simon,
açúcar pra adoçar o coração,
dos olhos da serpente a força de atração,
e, para encher o crânio, à guisa de miolo,
comprou num confeiteiro um rico bolo.
Mas, nesse meio tempo, um cachorro vadio,
desses que trazem sempre o estômago vazio,
encontrando de carne a linda peça,
os alvos dentes crava-lhe depressa.
Inda estava lambendo os beiços, quando
Jeová, de regresso, foi chegando.
Pressentindo o que havia acontecido,
O Criador bradou, enfurecido:
-- Eu devia agora, arrancar-te o coração,
tareco sem vergonha, rafeiro ladrão!
Mas, afinal, prefiro a dar-te cabo
apenas amputar-te o rabo.
E, juntando à palavra o gesto, com mestria,
tirou-lhe a cauda sem anestesia.
E dessa cauda de mil pêlos eriçados,
sem uma pulga esperdiçar sequer,
ah ! por mal de nossos pecados,
Nosso Senhor fez a mulher...
Demóstenes Christino
***
(CHRISTINO, Demostenes. Musa Bravia. Rio de Janeiro: Gráfica Nova Era, 1949, p. 95 até “tirou-lhe uma costela; p. 96, de “Depondo-a” até o final.) Na recitação, substituo “algum creme Simon”, que ninguém mais hoje conhece, por “algum creme da Avon”.
O poeta nasceu na Fazenda do Caju, distrito de Entrefolhas, município de Caratinga, no dia 4 de julho de 1893; faleceu em Ipameri, Goiás, no dia 18 de abril de 1962, com 69 anos de idade.
Demóstenes Christino era tio-avô, por parte de mãe, do meu querido Amigo Professor Doutor José Augusto Carvalho, residente na cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo - Brasil.