ASSÉDIO SEXUAL
José Augusto Carvalho
Burro por onde passa deixa a marca da ferradura.
Johnathan tinha quase sete anos. Era puro, era pequeno, era criança. Não tinha ainda sete anos.
A escola de Johnathan, em Lexington, na Carolina do Norte, era bonita. Talvez fosse a mais bonita daquela pequena cidade americana, plantada no condado de Davidson.
E era bonita porque Johnathan tinha quase sete anos.
A cidade de Johnathan era pequena e era bonita. Não era talvez a menor de todas, mas era talvez a mais bonita de todas as cidades pequenas e bonitas que há nos Estados Unidos.
E era bonita porque Johnathan tinha quase sete anos.
A sala de aula de Johnathan era pequena. Nela só havia vinte alunos. Todos pequenos, todos crianças, todos com sete anos ou com quase sete anos. A diferença de idade entre o mais novo e o menos novo de todos não chegava a cinco meses.
Johnathan tinha quase sete anos, e era feliz, como todos os seus colegas de classe, como todas as crianças que têm pais que as amam e lhes dão carinho.
No dia 26 de setembro de 1996, Johnathan estava ainda mais feliz, porque era seu aniversário: ele estava completando sete anos de vida... Então ele olhou para a menina bonita que estava sentada ao seu lado, e quis manifestar sua alegria, dando-lhe um beijo no rosto.
Mas a professora viu. A professora de Johnathan não era feliz. A professora de Johnathan não era beijada por ninguém de sua idade. A professora de Johnathan não se lembrava mais da última vez que recebeu um beijo de alguém de seu tamanho. Por isso, a professora de Johnathan ficou com inveja e com raiva.
A professora de Johnathan decretou que Johnathan era um menino pecador e pôs Johnathan para fora de sala. A professora de Johnathan foi à direção da escola para dizer que Johnathan tinha praticado um crime chamado “assédio sexual”. A diretora da escola de Johnathan também tinha saudades do último beijo que havia recebido, e por isso também tinha raiva e inveja das pessoas que eram amadas e não tinham vergonha de ser felizes. A porta-voz das escolas públicas de Lexington, Jane Martin, apoiou a professora e a diretora, porque o regulamento da escola é de conhecimento dos pais.
Johnathan foi alvo de risos, de zombarias, de chacotas, de piadas. Ele vivia no país mais poderoso do mundo. Tão poderoso, que até um beijo de criança tinha sabor de pecado grave. Johnathan não podia mais ficar em Lexington, e teve de mudar-se de cidade, porque lhe haviam ensinado na escola do país mais poderoso do mundo sua primeira lição de antivida.
A escola de Johnathan já não era mais tão bonita. Porque os sete anos de Johnathan não tinham mais o sabor da infância.
E a cidade de Johnathan não era mais tão bonita, porque Johnathan se tornou quase um adulto, com sete anos de idade.
Mas o país onde Johnathan morava era o mais poderoso do mundo. Até depois de velho, Johnathan poderia orgulhar-se dele.
Alguns anos depois, num banho de mar, numa praia do Pacífico, o adolescente Johnathan viu que uma banhista se afogava à sua frente. Nadou até ela, arrastou-a como pôde, lutando contra o mar, até o lugar em que a espuma das ondas se infiltrava na areia... Mas lembrou-se do beijo que dera numa garota bonita de sua classe, quando de seu aniversário de sete anos. E deixou de lado, na areia, a mulher que tirara das ondas.
Johnathan não tinha mais apenas sete anos.
Os curiosos chegaram e notaram que a banhista não respirava mais. E perguntaram ao Johnathan por que ele não havia feito respiração boca a boca, para salvar a moça que ele tinha retirado das águas.
Johnathan não respondeu. Talvez para não perder o resto de infância e de pureza que ainda havia em sua vida adulta.
Porque Johnathan não tinha mais apenas sete anos.
Johnathan tinha virado cidadão do mais poderoso país do mundo.
José Augusto Carvalho é Professor Universitário jubilado.
Cidadão brasileiro, reside na cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo, Brasil